Terça-feira, 27 de Novembro de 2012
Quando chego a um parque de estacionamento e vejo um indivíduo a esbracejar lembro-me logo das hospedeiras de bordo, nos aviões, a explicar quais os gestos que devemos fazer para em caso de acidente, morrermos mais depressa. Falando de aviões podia ainda lembrar um homem sozinho gesticulando com o monstro branco estacionado na placa do aeroporto. Não sei se os que acabo de referir são ainda necessários. Os dos parques de estacionamento de viaturas são. Tenho um amigo em Lisboa que tendo que estacionar todos os dias numa zona difícil telefona sempre ao arrumador antes de chegar para este lhe guardar o lugar. É um acordo avençado. Um amiga que há dias não queria dar a moeda liquidante do respectivo serviço, porque havia parquímetro, encontrou-se sem trocos para introduzir na referida máquina surpreendentemente activa. Então o arrumador a quem havia negado o pagamento logo lhe facilitou o troco. Desistir de pedir dinheiro a senhoras finas é também recomendável para não ouvir respostas grossas do tipo quem me dera ter a sua força de vontade para não comer há três dias. Surpreendido fiquei eu quando um arrumador me perguntou se queria que tirasse o carro dele para eu arrumar o meu dado que não havia mesmo lugar nenhum. Para que esta arte não se perca há jogos informatizados para os miúdos aprenderem a arrumar carros. Pelo que observo a remuneração é melhor do que as dos arrumadores de palavras. Da próxima vez que for confrontado com uma mão esticada mal acabe de arrumar respondo: só dou dinheiro se for para a droga. É que afinal o arrumador sou eu. Eles só se orientam.
Quarta-feira, 12 de Novembro de 2008
Lembras-te de mim. Eu era o teu cão na tua outra encarnação. Ou seria já reencarnação. Eu ficava sentado ao teu lado, com os olhos a brilhar só pelo prazer da tua companhia. Depois lá te dignavas a enviar-me um osso que percorria o espaço entre nós, e que eu contente apanhava no ar sentindo que isso te daria algum prazer. Quando os dias não te corriam bem, eu passava rápidamente de cão a bode, expiatório neste caso. Enraivecido, que é uma doença que acontece também aos cães, corrias comigo a pontapé e eu corria também, mas para o quintal. Escondia-me na sebe de buxo e esperava em silêncio que saísses de casa. Por vingança devassava o jardim de forma a que nada ficasse intacto. Quando regressavas eu avaliava á distância o teu semblante, tentando prever o futuro e depois de verificar que por ali não viria tempestade, aproximava-me lentamente com um pé no ar e a lamber o outro.
Rosnava de mansinho mil desculpas, suplicando que não ligasses a minha coleira anti-pulgas aos elos da corrente de aço que era sempre uma promessa de prisão perpétua. Eu ficava contente quando me levavas a passear. Descíamos a rua ao lado um do outro e tu indiferente depositavas uma esmola no chapéu do teu cego preferido. Eu indiferente olhava para o cão do cego. O cego aspirava o teu perfume de mulher e engolia a saliva da sua indignação. Porque ninguém dá o que precisa. Era um rafeiro pensava eu. O cão do cego. Agora tu és o meu cão. Eu era o teu cão. Agora sou o cego.
Quando era um miúdo cavalgava tardes inteiras o cavalo do Fantasma, pelas florestas do meu imaginário, onde ainda não havia dinossáurios. Resolvia casos intricados, vestido de Mandrake, um mágico com um enorme arsenal de truques sempre ajudado pelo seu leal e prestável mordomo Desmond. Ogan preenchia as minhas vontades de conquistas vickings por mares nunca dantes navegados, por Gamas ou Cabrais. Super-Homem, era na verdade um modesto empregado de escritório, com óculos e tudo, que encontrava as suas forças na presença de um meteorito com um nome esquisito. O Batman era o super herói motorizado, com um carro que faria inveja a qualquer James Bond, fazia dupla com o boy à altura no desemprego. O Homem-Aranha, penso que esse ainda vai tecendo os seus enredos, na televisão independente. Lembro-me ainda do Garra ou Mão de Ferro que era um tipo que ficava invisível quando apanhava um choque eléctrico, que não foi propriamente o que aconteceu nestas eleições. Nas versões mais leves, e resistindo ainda, o Astérix , Obélix ou o Superpateta . Todos do sexo masculino. Exceptuando o Zé-carioca quase todos recorriam a poções mágicas para se livrarem de problemas complicados. Quando olho para as estatísticas dos suicídios, verifico que a maioria são homens. Estas histórias não nos ajudaram em nada. É que na vida real não há druidas e os finais nunca são felizes, nem aos quadradinhos.
Quarta-feira, 5 de Novembro de 2008
Eu gostava imenso que tu tivesses um cérebro que controlasse o teu cérebro para que tu não usasses o primeiro como um rádio sintonizado sempre na mesma onda e frequência.
Que fosse depositário de uma linguagem máquina com a capacidade de regenerar o desequilíbrio assim que este despontasse levemente e te pudesse desinstalar essa teimosa e perigosa sincronia. Que reagisse em nanosegundos a qualquer vestígio desoganizador da capacidade que a inteligência tem de se dedicar e ser sensível a um sem numero de interesses que também são coisas interessantes e úteis. Eu sei que os genes transportam a informação codificada que tiveste a preocupação de decifrar . Mas tu terás que juntar a estes outros conhecimentos. Eu não gostaria de ficar a saber que o único termo informático que conheces é tupperware, que também termina em ware , e que este seria provavelmente o disco , neste caso semi rígido , onde alguém te carrega diáriamente a informação necessária ao bom funcionamento do teu sistema operativo nas obras. Sabes que ninguém quer ficar dependente de um electro selvagem. Com a evolução e a facilidade de pagamentos a prestações qualquer um vai poder Ter um robot . Mesmo que seja da linha branca.
Terça-feira, 4 de Novembro de 2008
Psicotrôpego
Aqui há dias disseram-me que cada um tem o seu karma seja qual for a designação que se lhe queira atribuir. Aquele ou destino. Há quem o tente ler nas cartas ou quem o deixe correr livremente pelas avenidas da vida. Vielas nos dias menos felizes. E ás vezes quando estes são negros e o que a fluí se transforma apenas na escorrência viscosa de um esgoto a céu aberto, uma lama desprovida de vontade, existe sempre a tentação de estender a mão e pedir ajuda. Quando se acredita a fé vai bolinando a vida. Palavra da salvação. Quando as cartas apontam o caminho podemos sempre ir saltando as etapas menos aliciantes. Podemos até fazer batota baralhando e dando de novo, quem sabe amanhã o destino nos sorri. Ou pensar hoje é domingo e os deuses estão de folga, se o senhor é céptico isto não funciona. Pode ir atirando a primeira pedra, é melhor atirar os búzios, estava á sua espera, sente-se e diga-me o que o aflige, escute o apelo do mar, dinheiro, amor, ou amizade, não viu ainda o grande irmão que para isto é receita três em um, juntando-lhe ainda a fama pode até ser mais, o seu problema é saúde, temos aqui remédio natural, podemos ainda esconjurar os espíritos afastando as vibrações negativas, há uma pessoa que lhe quer mal, se não acredita em tarólogos quirólogos macumba, vai acabar mal, depois de passar pelo digasim ou prozac vai acabar no divã, esse não, o do psicanalista, marque uma consulta.
Fantasma
Outra vez aquela sensação de já o Ter visto noutro lugar. Um sentimento que veio antes de mim. Como uma herança dos mortos inscrita nas peças componentes do meu ser. Espantado olho para aquela imagem e vejo a sua decomposição como se tratasse de um eco de imagens que se iam esbatendo, no tempo, até se transformarem numa silhueta. Formavam uma fila, com uma etiqueta no pulso, entravam ordeiramente numa máquina que parecia ter chegado do futuro. À porta da máquina Ele, de olhar frio e distante, registava mentalmente a estatística dos que entravam num movimento penoso, de quem se sentia intimidado com a presença do que parecia um coleccionador de almas. Por curiosidade fui seguindo a fila, onde todos permaneciam calados. Quando cheguei à sua presença e o seu olhar me petrificou, o cérebro misturou as ideias com se de uma sopa de letras se tratasse. Outra vez aquela sensação de inexistência. De que tudo evolui numa atmosfera pastosa. Uma falta de energia avassaladora impede-me de fugir. Na matriz limpa da minha cabeça é inscrita uma ordem. Entra. De repente perco o medo. No interior, verifico que os que me precederam, estão deitados numa câmara ampla de forma organizada. Envolvendo a sua cabeça, brilha um círculo de luz azul. De mim aproxima-se um homem de branco com uma seringa na mão. Como um estrondo a realidade atinge-me. Tive um acidente. Vão-me tirar os meus órgãos. Será com anestesia?.
Segunda-feira, 3 de Novembro de 2008
Dia da Raça |
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Há tempos, no hotel Alvalade, em Luanda, perguntado sobre a sua proveniência um empregado do mesmo disse-me que era do Cuanza Norte, da terra do crocodilo “bangoso”. Nunca vi esse crocodilo até que um dia o encontrei numa casa comercial em Leiria onde esperava para ser atendido. Reencarnado num mestiço, que dizem somos todos os portugueses. Do crocodilo já só tinha os sapatos. De mestiço tinha tudo. A tez, o cabelo e a vaidade que é peculiar. Entretanto na frente da loja passam duas indianas investidas nos seus “sari” e o crocodilo murmura por entre o teclado alvo dos dentes: não bastava isto estar cheio de brasileiros e chineses, agora também temos indianos. Ainda não tinha começado a guerra, com capítulo na televisão, e repetição de episódio, entre os pretos e os ciganos. Andava eu a pensar onde estariam os brancos desta história quando num pequeno bar da Nazaré o animador de serviço pergunta ao indivíduo da mesa ao lado. O senhor é português? Eu não “graxas” a Deus. Espanhol? Foda-se. Foi a resposta pronta. Eu “xou” “noreguês”.
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Petroleiro
Nos idos de sessenta o player do petróleo era um tipo que tendo sacrificado uma bicicleta , instalava as suas rodas lateralmente num tambor de duzentos litros , reciclado do transporte de óleos industriais. Andava de porta em porta a vender o seu produto. Fazia-se anunciar por um som aborrecido saído de um cone metálico encimado por uma ampola de borracha que premida fazia o ar passar por uma palheta, reciclada agora, para utilização nos jogos de futebol. O petróleo servia para as senhoras cozinharem no fogão primo da Hipólito, que tinha um depósito para o dito, e uma cabeça para o queimar, o que só começava por fazer quando aquecido por álcool, desnaturado, que ardia com uma chama invisível, que causava alguns desastres quando se acrescentava combustível, por parecer acabado. A chama ainda lá estava e as pestanas já não. Daí o nome desnaturado. O referido fogareiro equipava uma bomba manual que criava pressão no depósito e fazia subir o petróleo. No dito. Uma trabalheira incompatível aliás com a maquilhagem actual das cozinheiras que de quando em vez traziam um eyeline parecido com um pipeline. Este petroleiro afundou-se os players agora trazem o petróleo na bolsa, jogam à batota com ele, e só nos buzinam com o preço. É o verdadeiro business.
Sexta-feira, 31 de Outubro de 2008
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31-10-2008 |
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Não comece o seu dia aos murros ao snooze. Levante-se e deixe o despertador em paz. A violência doméstica é crime. Eu sei que a culpa é da crise mas se esta nos leva para baixo e se para baixo todos os santos ajudam, só podemos vir a ficar bem. Com a ajuda dos santos. Obama nas alturas. Imagine que o Sr. Obama tinha nascido em Portugal. Certamente não passaria do Kuduro. Lá ele é negro. Aqui, quando muito, seria mulato. Lá ele é senador. Aqui quando muito seria sonhador. Não sei se ele falou em aumentar a renda das Lajes, mas andamos entusiasmados com a sua vitória na expectativa de que ele solte as notas. Também não era possível ser presidente de Portugal com a altura do Sr. Sarkozy ou do Sr. Aznar. Lá eles resolvem isso calçando salto alto. Imagine aqui o pandemónio se tivéssemos um presidente de saltos altos. Pensem no que aconteceu ao Marques Mendes. Ainda não tinha saltos altos. Nós somos todos bons quando estamos lá fora a lutar pela vida, porque queremos uma igual à deles. Já o contrário também acontece. Quando uma multinacional alemã envia um alto quadro para administrar uma filial em Portugal, ao fim de um ano, substitui-o. Eles lá começam a reparar que ele quer ter uma vida igual à nossa. Então a culpa é do país. E da Ribor. Antigamente casávamos com a Maria. Agora oiço as conversas de café. Eu e a Ribor eu e a Ribor. Problemas com a Ribor. Gasto demais com a Ribor. Arranjem uma Maria.
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